quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Randy Pausch está morto



Randy Pausch está morto
Helder Miranda

Em uma tarde fria, diante do mar, um homem chora. O vento corta a sua barba por fazer, mas ele está concentrado em entender o quanto as próprias decisões o levaram até aquele banco. O motivo? A morte de um autor que, durante algum tempo, foi seu melhor amigo. O homem era eu, e o amigo, no caso, um autor norte-americano que nunca soube de minha existência.
Livros têm esse poder, de transformar ilustres desconhecidos em pessoas próximas e, por que não, queridas. Randy Pausch, o falecido autor de A Lição Final (Agir), me acompanhou para cima e para baixo, em formato de audiobook, em andanças pelos ônibus, enquanto a minha própria vida seguia o seu percurso.

Durante o trajeto, enquanto escutava, possivelmente passaram por mim centenas de possíveis personagens incríveis, mas eu não prestei atenção, entretido em sua história. Pausch, narrado por Paulo Betty, contava sua trajetória a partir da descoberta de um câncer terminal no pâncreas. Sabia que iria morrer e, para isso, quis deixar um legado para os fillhos. Uma palestra a respeito de Como Realizar os Sonhos de Infância, vista por milhões de pessoas no You Tube.

Faço aqui uma ressalva: se você pretende ler qualquer obra, não ouça antes em áudio. Explico: quando, de uma maneira muito especial, o livro foi parar em minhas mãos, a voz de Paulo Betty, enquanto eu lia, vinha em minha mente – algo meio desagradável, e brega, se você é ranzinza como eu.
Por incrível que pareça, o livro derivado do vídeo de sucesso na internet, apesar do tema pesado, é leve, alegre, divertido, e muito, muito piegas mesmo. Ao mesmo tempo, não é uma autoajuda qualquer, embora tanha aqueles conselhos-clichê no estilo “esteja preparado para quando a oportunidade surgir”, mas o seu diferencial está justamente no fato de que é um manual de instruções para a vida, a partir de sua experiência, voltado aos filhos que não irá ver crescer.

Algo muito triste, de fato. Quanto tive coragem de procurar no Google por seu nome, possivelmente muito tempo depois de sua morte, me deparei com a seguinte manchete na Folha Online: “Fenômeno na internet, professor da ‘última aula’ morre aos 47 anos”. Não tive coragem de ler a reportagem. O resto da história, você já sabe e, diante do mar, concluí o sentido de tudo.

Livros destroem? O ator Carmo Dalla Vecchia, em um debate na mais recente Bienal do Livro de São Paulo, disse que sim. E a obra que “destruiu seus sonhos de infância”, foi Meu Pé de Laranja Lima (Melhoramentos), de José Mauro de Vasconcelos. O texto, segundo ele, mudou seu conceito de mundo e talvez o tenha feito perder a inocência mas, mesmo assim, como em um ritual, ele o revisitava todos os anos. Naquele banco, percebi que o livro mais inesperado era, também, algo concreto e, para mim, cheio de referências. Era capaz de manter o autor de meu livro preferido vivo. E, seu eu quisesse reencontrá-lo, bastaria relê-lo.

Nenhum comentário: