quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Bliss


Bliss
Helder Miranda
www.twitter.com/heldermm


Sou o cara do ponto de ônibus com uma estranha predisposição de criar histórias para os que estão na fila. Há, nela, de tudo – acredite – com tantos rostos e roupas de frio e de calor que sempre se modificam a cada dia, eu estou lá, vendo tudo enquanto sigo para o trabalho. Do romântico inveterado (e talvez eu me enquadre nesse perfil), à vilã incorrigível e meio desajeitada, passando pela velhinha dócil que não leva a culpa de ter atrapalhado um romance, mas fez isso, e hoje tem a simpatia da maioria.


Sou um observador contraditório por ser um péssimo fisionomista, ter a memória fraca e, muitas vezes, distraído a ponto de não retribuir cumprimentos na rua porque não vi. Você pode perguntar quem sou eu, e o que me assinala para escrever sobre livros. A vida, eu responderia. Não sou um crítico, mas um apaixonado. Até porque discordo dos especializados, na maioria das vezes.


Escrever sobre literatura e seus bastidores não é tarefa penosa. É vida. Explico: comecei a escrever desde os seis anos, e leio desde então. Quando não sabia escrever, desenhava. Trabalho com isso, conheço pessoas, elaboro reportagens e, quando um livro me agrada, resenho. Diante de tanta doçura, perdi a fala quando conheci Ana Miranda – vencedora por duas vezes do prêmio Jabuti, o maior na área literária no Brasil.


Troquei alguns e-mails com Fernanda Young e, talvez por tê-la entrevistado algumas vezes, dei um depoimento sobre ela (que até hoje não sei se foi publicado) para a revista Imprensa. Levo o mérito de ter entrevistado aos 21 anos, com um colega de redação, o escritor Sidney Sheldon. Claro, também me decepcionei com alguns, que se mostraram verdadeiros babacas, mas o que importa, mesmo, são os textos que eles fazem, com uma grande possibilidade de mexer comigo.


A sensação de ter este espaço para falar de algo que é tão pouco valorizado, e sem o ar solene e pedante como é, sim, tratada a literatura – e seus escritores, e seus livros, e seus roteiristas, e seus leitores – me remete a um antigo conto, que li recentemente. Chama-se Bliss, de Katherine Mansfield. Assim como saudade, que não tem tradução fora da língua portuguesa, Bliss é, em uma tradução apressada, significa mais que felicidade.


Fala de uma mulher que promove um jantar para o marido e amigos, e é surpreendida por um acontecimento que pode mudar tudo. Esse final desconcertante pode ser a mesma sensação diante de um livro novo. Estou na berlinda, como cada escritor quando termina um texto, sempre à mercê da aceitação, ou não, do leitor que pode optar por fechar o livro ou seguir para a próxima página.

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