quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Em busca do encantador de guarda-chuvas



Em busca do encantador de guarda-chuvas
Helder Miranda

Na Times Square, pessoas torceram o nariz e o anúncio ostentado no outdoor teve de ser retirado. “A vida é curta, tenha um caso”, propagava nele o site voltado para o adultério. Se eu estivesse lá, possivelmente adoraria me deparar com essa frase, não pelo seu imperativo, óbvio, mas por buscar certas “literariedades” no dia a dia que ultimamente não se permitem mais serem encontradas.

Não há lirismo, por mais que eu tente, em desmarcar uma consulta com a dentista, e ela não atender. Em abastecer o carro e, de brinde, perceber um risco enorme provavelmente feito pelo frentista ou por algum vizinho que me odeia secretamente. No mundo de hoje, faltam cordialidades, e certas pieguices que só valem se forem cometidas na medida certa. Verdadeiras ou não, pararam de ser praticadas.

Durante certo tempo, me dispus a observar mais atentamente coisas que, a princípio, existem apenas nos livros. Como o restaurante santista que ostenta, em sua porta de vidro, um manuscrito com os diversos significados da palavra “saboroso”, ou outro, mais ríspido, em outro ponto da cidade, que solicita a “gentileza” de os clientes não saírem com os copos. Olhar para o teto de um teatro centenário, como o Guarany, e ver uma obra de Paulo Von Poser, apresentado para as novas gerações em um seriado modernoso como artigo de luxo, é incrível. Outro dia fiquei maravilhado com a notícia da posse de integrantes de um Conselho sobre Mudanças Climáticas, daria um ótimo romance, mas parece que ninguém vê. Todos olham, mas é só.

Tempos atrás, soube de um homem que conserta guarda-chuvas no Centro Histórico e fui atrás dele, com um modelo da China, detonado pela ventania. Era quase o preço de um novo, mas o prazer de vê-lo trabalhar, e o apelo minimalista de suas costuras valeriam até o dobro de seu serviço. Além disso, guarda-chuva é o único objeto que não evoluiu com o passar do tempo. Contrariando minhas expectativas, de ser um lugar repleto deles, todos coloridos, com bolinhas e outros detalhes, saí decepcionado. Havia um clima soturno, talvez proporcionado pelas nuances do inverno, e mais guarda-chuvas com tonalidades escuras, ou pretos, como o que eu havia levado – mas quem liga?

Se o mundo hoje é feito com frases curtas, e pessoas cada vez mais efêmeras, o que dizer dos livros? Encontrei profundidade justamente na síntese, onde menos esperava. Fabricio Carpinejar, vencedor do Prêmio Jabuti 2009 na categoria contos e crônicas, lançou pela Bertrand Brasil o livro “www.twitter.com/carpinejar” – sim, é o link verdadeiro. Trata-se do primeiro com frases postadas no Twitter publicado por um escritor brasileiro que me faz sentir certa inveja e traz a sensação incômoda de “gostaria de ter escrito isso”.

São microtextos sensíveis sobre as relações humanas, com orelhas assinadas pela cantora Fernanda Takai, pelo escritor Daniel Piza e pelo jornalista Abonico, também seguem o limite de 140 caracteres permitidos no microblog. Constatei que, pelo menos naquele momento, a profundidade estava ali. E, para lá, fui.

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