sexta-feira, 2 de outubro de 2009

(d)inho

A resposta está no filme Quem Quer Ser Um Milionário?. Por que ele resolveu participar do programa? “Para ser assistido por ela”. Uma resposta simples, até pueril, mas avassaladora. Como um soco na boca do estômago e seus efeitos devastadores. De fato, até agora, em 2009, não vi filme tão bom quanto essa. Talvez a minha falta de expectativas, mesmo conquistando o prêmio máximo do Oscar, tenha ajudado. A resposta, de acordo com o filme, está na vida. E está, mesmo.

 
Há quem diga que a vida está nas entrelinhas, nos acontecimentos sutis. Eu sempre acreditei que elas sempre são reveladoras e colocam muito mais as pessoas em exposição do que o fato em si. Para quem eu escrevo? Para responder essa pergunta, recorro a um fato que aconteceu no sábado.
Fui visitar minha mãe e, como sempre fui muito bom na organização de papeis, consegui jogar três sacolas de papelada antiga, o que nos garantiu boas risadas. Minha mãe é adepta de anotações. Algumas, digamos, muito (você não entendeu MUITO)... desnecessárias. Uma folha sulfite com a seguinte frase: “Somos fracos”, ou um bloco inteiro para descrever uma dor que sentiu. “Ah, mãe, pelo amor de Deus!”, eu disse ao encontrar o Juramento de Hipócrates. “A senhora não é médica”, rasguei. “Nããããããããõooooooooooooooooooooo!”, escutei, mas já era tarde. De rasgar esse papel, confesso, me arrependi. Ela havia recebido em sua formatura de enfermagem. Ali, pela primeira vez em muito tempo, e creio que esse dia ficará em minha lembrança em muito tempo, como o dia em que passei a manhã na casa de minha mãe para uma divertidíssima faxina em papeis velhos na casa de minha mãe, me senti filho novamente.

 
Entre essas papeladas, uma caixa lacrada, com textos escritos por alguém a partir dos seis anos. Não era de uma criança comum. Eram meus, embora eu não tenha me reconhecido ali. Desenhos, poesias, histórias em quadrinhos, romances e esboços de textos inacabados, entrevistas comigo mesmo me tratando como se eu fosse o maior símbolo sexual (!!!). Algumas coisas, bobinhas, outras, geniais – se considerarmos a idade, eu era um gênio. O que pude reparar é que ali estava um menino cheio de energia, e com uma gana de viver, e criar, que perdi um pouco. Entrevista consigo próprio? Ele podia! Aliás, ele acreditava que podia tudo.

 
Fico imaginando se esse menino ficaria decepcionado comigo se me encontrasse agora, ou ficaria satisfeito, aliás, eu segui tudo o que ele planejava à risca – viver da escrita (não da maneira que ele visualizava, mas vivo), conhecer gente famosa (sim, pela minha profissão eu acabo conhecendo), casar cedo (pelos meus cálculos, me casei três anos depois do que ele pretendia). O que fiz, então? Resolvi publicar, aos poucos, para me desfazer daquela caixa que entulhava a casa de minha mãe.

 
Tenho certeza de que o “Menino do Mundo”  que fui, a princípio, ficaria envergonhado, mas depois “adoraria” essa publicidade. Talvez ele se sentisse amado com o carinho, com o cuidado em preservar sua obra. Ao mesmo tempo, acredito que ele consideraria “um favor para a humanidade” preservar as suas obras, tendo em vista que ele se achava o supra sumo do talento. Por outro lado, essa pequena “falta de ética” que estou cometendo com o garoto lá atrás é, também, um ganho para mim. Recorrer o passado para ter coragem de seguir em frente pode ser contraditório, mas é fato. Aquele que escrevia textos com tarados, estupradores e repletos de sacanagens (“inocentinhas”, até, mas bem “pesadinhas” para uma criança) acreditava demais no homem que se tornaria. Então, publicar isso é, de fato, preservar a mim mesmo. Mas para quem esse menino escrevia? Tive a sensação, ao lê-lo, depois de tantos anos, que era para mim. Alguém relativamente culto que o entendesse. Mas, na verdade, o que ele queria, mesmo, era ser validado por alguém.

QUEM-Q~2 


Um comentário:

Gelza Reis Cristo disse...

Visitei pela primeira vez o resenhando.com e gostaria de saber, colega Helder como funciona.
O que umm escritor deve fazer para que o resenhista possa fazer a resenha?
Certamente se funciona com a doação do livro para o jornalista; realmente precisamos de mais contatos.
Obrigada pelo seu amor pela cultura.