sexta-feira, 25 de setembro de 2009

coração americano

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Como prometido, abaixo está uma das cenas do espetáculo que escrevi para concorrer no Concurso Nacional da Encenação da Chegada de Martim Afonso a São Vicente. Meu texto se chama Coração Americano, e foram tantas as coincidências que acreditei ser o vencedor. Para quem não sabe, é o maior espetáculo em areia de praia do mundo e, só de ficar entre os cinco finalistas, gostei.

 

Vamos às coincidências: pela enquete popular, a índia Bartira deveria ser a protagonista. Quando soube disso, o texto já estava pronto. Descobri, neste ínterim, uma música de Milton Nascimento chamada San Vicente, só que na voz de Shirle de Moraes (ex-Fama e, se você ainda tem algum preconceito com cantores saídos de realities, deveria escutá-la).

 

O concurso estava rolando na época de minha “quase-morte”, quando aconteceu de eu cuspir sangue e o médico me dar uma bronca. Fiquei parado alguns dias com esse projeto – duas semanas, para ser mais preciso. Cuidando de mim, e sem contar o que aconteceu para as pessoas que não eram próximas. Ou seja, continuei trabalhando normalmente, mas com um ritmo muito menos acelerado. 

 

A música, quase o nome da cidade em questão, me tocou muito, por esse trecho: “Coração americano, acordei de um sonho estranho. Um gosto, vidro e corte, um sabor de chocolate. No corpo e na cidade, um sabor de vida e morte. Coração americano, um sabor de vidro e corte”.

 

Hipertensão = enfarte = coração. Corações = artérias = “As Veias Abertas da América Latina” (Eduardo Galeano) = colonização brasileira. Escrevi uma sinopse de novela chamada Coração Cativo. Ou seja, sou todo passional e, embora na maior parte do tempo eu passe uma imagem equilibrada – o que é ótimo – sempre pensei mais com o coração. Coração Americano. Latino do Sul. Intenso. Eu. Eu em todos os personagens. Eu e meu mundo. Salvar um mundo, sendo que o mundo é representado em uma pessoa. Egocêntrico, reconheço. No final das contas, no ônibus, resolvi mudar o nome do espetáculo que, de Caminho das Águas (brega, e lembrava o título da novela que sequer um capítulo consegui assistir). Agonia de Maya. Pavor de Raj. Nunca vi casal tão Noites do Terror. Desculpe, Playcenter (talvez eu volte ano que vem).

 

Mudei o título, acrescentei o termo no espetáculo, reimprimi capa e páginas, cinco vias. A peça escolhida, que não foi a minha, será encenada em janeiro, durante a semana de aniversário da cidade. Afinal, somos corações americanos? Eu, certeza, sou.

 

Há ainda um quesito sorte: trabalhei três anos no Parque Cultural Vila de São Vicente, como monitor – então, não precisei estudar, tinha tudo decorado – e, também, fui numa das encenações, no meio da adolescência, índio (!!!) – com tapa-sexo (!!!). Não é preciso dizer que este tema, que não atrai a todos, era sonho desde então. Realizá-lo é consequência.  

*  *  *


 

CORAÇÃO AMERICANO - CENA 9 – A ÁGUA E O VINHO_


 

No escuro, sons de cochichos de crianças e mulheres indígenas, com risinhos. Luz sobre BARTIRA e IRATI. JOÃO RAMALHO, CACIQUE TIBIRIÇÁ e alguns índios esperam BARTIRA no centro da areia.

 

IRATI: Eu não entendo Bartira. Você não estava resolvida a não se casar?

 

BARTIRA: Estava, mas uma estrela me aconselhou. Disse, “Vá, menina! Entregue-se!”. Mudei de ideia.

 

IRATI: Você é mesmo uma exibida! Estrelas falando, e justamente com você!

 

BARTIRA vai em direção à JOÃO RAMALHO e CACIQUE TIBIRIÇÁ. Há muitos figurantes.

 

CACIQUE TIBIRIÇÁ: João Ramalho, essa é Bartira, minha filha, que a partir de hoje será sua mulher!

 

JOÃO RAMALHO: Bartira, linda guerreira, serei seu marido!

 

Música agitada. JOÃO RAMALHO e BARTIRA sobem na canoa, que é trazida para a  areia. Índios seguram a canoa por baixo e rodam, com os dois atores dentro. Voltam as figuras gigantes com rostos masculinos e femininos, que se juntam e se afastam, formando beijos, acrescentadas de outras maquetes desse tipo, mas com formato de sol e lua.

 

As flores gigantes e os animais também entram em cena, girando no sentido da canoa. Os dois atores, dentro da canoa, continuam no centro do palco, enquanto a figuração, com as imagens gigantes, ocupam toda a areia, formando algo bem colorido e ágil.

 

CORO: A água e o vinho, a água e o vinho a água e o vinho...

 

BARTIRA: Nenhum vento rude soprou. O belo senhor do dia sorriu pacífico, mandando beijos para a noite que oferecia estrelas a quem olhasse o céu...

 

CORO: A água e o vinho, a água e o vinho a água e o vinho...

 

JOÃO RAMALHO: Bela como Ártemis, você tem coração americano. É livre e independente como nenhuma outra mulher. Intensa, você é o mito incorporado aos mistérios naturais. Estou apaixonado!

 

BARTIRA: Majestosa claridade, vi um guerreiro branco com bom aspecto. Não sei se é um Deus Sacro, só sei que é o único capaz de me transformar em romântica. De fato, estou apaixonada!

 

CORO: A água e o vinho, a água e o vinho a água e o vinho...

 

JOÃO RAMALHO:  Então, o estranho contou ao coração americano que já estava vivendo ali há muitos dias e que gostaria imensamente de conversar com ela, beijando carinhosamente a sua meiga mão. (JOÃO RAMALHO beija a mão de BARTIRA, na canoa, que gira ao som da música, agitada).  Ele a ama, ele a deseja. Por Deus, estou apaixonado!

 

BARTIRA: Todos os dias, quando não estava no planalto, eu nadava nas águas verdes de Urubuquiçaba. Durante muitas luas, desejei isso sem saber. Era você quem eu procurava. Estou mil vezes apaixonada!

 

CORO: A água e o vinho, a água e o vinho a água e o vinho... A vida menina, a vida na lida, a vida canção... A vida na lida, a vida menina, a vida na mão...

 

IRATI: Bartira e João Ramalho tiveram vários filhos... Cari, o cantor, Jati, que ergueu o primeiro cercado no planalto de Piratininga e Jundá, que abateu o cruel Coandú. Mamelucos e mais mamelucos, assim, começou a mistura de raças!

 

Breu.

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– o personagem perfeito (?) –


 

Um amigo muito querido, RICARDO SILVA, na minha opinião o melhor roteirista de todos, e que compartilha comigo a sua predileção pelo escritor CAIO FERNANDO ABREU, em uma conversa, me definiu como uma Helena do Manoel Carlos, que erra, mete os pés pelas mãos, mas sempre dá a volta por cima. Gostei.

 

Essa conversa foi remetida por uma entrevista que li, de MANOEL CARLOS para o UOL. Na ficção, de acordo com ele, as Helenas são todas muito parecidas. "São generosas e ao mesmo tempo egoístas. Valentes ao enfrentar dificuldades, mas sentimentais e carentes de amor. Nunca são felizes, mas vivem em busca da felicidade. Enganam e se deixam enganar. São, resumindo, totalmente imperfeitas", afirmou.

 

O personagem perfeito tem uma fórmula? Não sei, de verdade, mas em minha opinião eles devem ser perfeitamente identificáveis. Em uma entrevista para o site Resenhando, MARIAN KEYES – autora de Melancia e minha escritora preferida – sintetizou suas personagens. “... eu acho que elas são heroínas porque elas passam por momentos difíceis, e elas sobrevivem e emergem, fortes e sábias.

 

Definições, como a de tantos outros amigos, como o jornalista EDUARDO CAETANO, que uma vez escreveu o seguinte: “Parece que o Helder acabou de sair das páginas de Nelson Rodrigues, Ana Miranda e Fernanda Young. Talvez até das novelas de Manoel Carlos. Ele revela isso é passional e naturalmente engraçado, por isso é capaz de perdoar tudo, menos que você não lhe dê atenção”

 

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Playlist da semana


1)San Vicente – Shirle de Moraes
2)Arcanjo – Danni Carlos 2) Second chance – Shinedown
3) Não me leve a mal – Wanessa Camargo
4) Desconstruindo Amélia – Pitty
5) Melhores Dias – Tânia Mara

* * *


 

Entre os meus presentes de aniversário, estava Elegias de Beduíno (Globo Livros) e fiquei muito feliz. De RILKE, só conhecia Cartas a Um Jovem Poeta em que ele aconselha um jovem escritor sobre a arte das letras, algo mais ou menos assim, em síntese: se você não morrer se ficar sem, ou se não for uma necessidade vital, não escreva. 

 

“Quem é que assim nos inverteu a rota, para,
em tudo o que fazemos, assumirmos a atitude
de quem está de partida? Tal como ele, no alto
da última colina que lhe dá a ver uma vez mais
todo o seu vale, se volta, pára, se demora —
assim vivemos nós em permanente despedida.


Oitava elegia
Rainer Maria Rilke

 

Também ganhei Setembros, de minha mãe, e a edição platinum de Pinóquio (Disney). Sim, você pode achar ridículo, mas eu adoro desenho animado, ou animações em 3D. Um dia escrevo, escrevo mais, sobre eles. Demorei para postar porque estava vendo umas fotos da viagem do Stefan, um baita fotógrafo. As imagens são de arrepiar, imagine se estivesse lá.  ... Então é isso. Cuide-se, mas cuide-se muito! ... Mesmo!

Um comentário:

Lídia Maria de Melo disse...

Oi, Hélder. Arrumei um tempo para dar uma passada por aqui.
E, aproveitando, já que você citou Roberto Drummond, indico ''Sangue de Coca-cola''. Se é que ainda não conhece.
Beijo.
P.S.: Convido-o a visitar meu novo blog: http://lidiamariademelo.blogspot.com