sexta-feira, 8 de abril de 2011

O destino mais justo para os livros rejeitados

 

*Helder Miranda

Os livreiros dessa cidade não gostam de livros, foi o que pensei ao sair, ressentido, de um sebo... com a pesada pilha que havia levado depois de ter combinado por telefone com o homem que me atendeu. Não eram livros velhos, pelo contrário, eram best-sellers recém-lançados. Mas best-sellers, no planeta desse senhor, não tinham valor.

Evidente que ele, o dono do estabelecimento, sem um dente da frente, queria levar vantagem. E obviamente estava habituado a isso: eu seria apenas mais um. Chamou uma mulher grosseira, que colocou uma série de defeitos em livros, novinhos, e deu sua sentença: “um real em cada, no máximo”, como se estivesse me fazendo um grande favor.

Diante de meu estarrecimento, ele intercedeu: “Compramos Sartre... Você tem Sartre?”, com um sorrisinho sarcástico... e amarelo amarronzado. Sorri timidamente, com a nítida impressão de ter sido, veladamente, chamado de burro. Afinal, “ele lê best-sellers, gosta de literatura açucarada”, foi o que deve ter pensado.

Mas eu, tal qual Clark Kent, estava disfarçado em seu mundo com cores estranhas, e mal sabia ele que, como profissional da escrita, recebo toda a sorte de produção literária. Entre elas, obras que não me interessam. Estava ali não porque precisasse de dinheiro vivo, mas apenas pelo motivo de que em casa, a pilha aumenta a cada dia, e sempre é preciso me desfazer de alguns para abrir caminho para outros: a distribuição em aniversários e datas comemorativas nunca são suficientes.

Era óbvio que ali eu não levava Sartre. Para ser sincero, nunca li esse filósofo, nem concordo com a utopia dele de que intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade – a não ser que a própria arte seja popularizada sem aquele ranço da prepotência que, infelizmentre, ainda existe na intelectualidade.

Tal como aquele homem, outros livreiros estão à espera de um vendedor para comprar por pouco e vender a um custo elevado. Pessoas que precisam diminuir os outros para se sentirem superiores, ou provar conhecimento, mesmo sendo tão inteligentes quanto um prato raso de plástico. Não gosto desse tipinho, que precisa recorrer a teóricos, filósofos e pensadores para comprovar o que pensa, deixando a nítida impressão de que falta opinião própria no mundo pós-moderno.

Naquela tarde com alguns resquícios de água fria, depois de sair da loja sem vender nada, pensei que o destino mais justo para os livros rejeitados seria o de pertencerem a alguém que os quisesse. Foi o que aconteceu. Ao deixá-los, vi, a uma distância razoável, uma senhora e uma menina, levando para casa a sacola bonita que ficou à espera de alguém, protegida da chuva, em algum canto da cidade.  

*Editor do site cultural www.resenhando.com. É jornalista, escritor e roteirista. Twitter: @heldermm.

Um comentário:

Anônimo disse...

Helder, uma sugestão: a biblioteca municipal aceita os livros.