terça-feira, 15 de março de 2011

Garotos maus fazem boas ações


Talvez você jamais desconfie que fui eu quem mandou aqueles livros. Mas, depois de ver seus olhos tristes na rua, perdendo a cor, e sendo tocado por um cumprimento tão gelado que me fez questionar se algum dia eu atravessei o seu caminho, imaginei que você precisava de algo.



Foi a teoria do passe-adiante, do romance Tributo ao Amor (Best-Seller), de
Catherine Ryan Hyde, que me inspirou – e também deu origem ao filme A Corrente do Bem. O livro, que deve ter influenciado milhares pelo mundo afora, consiste na escolha de três pessoas para ajudar em algo. Em troca, a corrente deve ser continuada, e cada uma deve escolher outras três pessoas a serem ajudadas. 

Não se sinta especial, também já recortei uma foto de girassol e enviei dentro de um envelope não identificado a quem estava triste, já liguei para um desconhecido para alertar sobre um erro de português em seu currículo mas, mesmo assim, cometo pequenas maldades inofensivas: essas me humanizam.

Fazer com que você recebesse livros infantis em sua casa, cheio de ilustrações com cores vivas, poderia preencher com um pouco de vida o acinzentado que percebi em você – e que me contaminou pelo resto do dia. Enviá-los anonimamente foi a maneira de desejar “boa sorte” para que enfrente com bravura o que vem pela frente. Amélie Poulain, do famoso filme francês que começa muito bem e depois fica arrastado,
se engaja na realização de pequenos gestos a fim de tornar mais felizes as pessoas ao seu redor e ganha um novo sentido para a existência.

Garotos maus também fazem boas ações, pensei, enquanto segui com algum livro à tiracolo e a irretocável imagem de bom moço. Mas estou blefando, você não existe e foi usado como um pretexto para citar um livro despretencioso, mas que sempre recorro quando estou triste, e dois filmes que tolero. Em algum canto de minha mente, talvez você seja o personagem imperfeito que está para nascer e quer ser passado para o papel.

Ler sempre me salvou da solidão, escrever ainda me salva de mim. E, cometer boas ações, mesmo eu às vezes sendo tão politicamente incorreto em minha acidez desvalida e pouco divulgada, porque sempre preciso ser doce, faz com que o mundo, talvez só o meu – mas mesmo assim algo que não deve ser ignorado – melhore.  

E continuo andando pelas ruas, fazendo raras boas ações que não vou divulgar porque não há necessidade, percebendo que não sou de pedra e que estou mudado. Para melhor. Você é um sonho bom e eu também. Sempre vai ser assim. Mas chega um momento em que é necessário ir adiante. Seguramente, hoje eu tatuaria em mim a palavra “coragem”.

*Editor do site cultural www.resenhando.com. É jornalista, escritor e roteirista. Twitter: @heldermm.

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