sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sobre o homem mais irritante do mundo e suas predileções literárias


*Helder Miranda

         Talvez eu seja o homem mais irritável do mundo, ou o mais irritante. Já fui qualificado como “muito passional, por isso naturalmente engraçado”, mas a percepção que tenho sobre mim mesmo é a de um antissocial educado, que pode ter os pensamentos mais ácidos e, mesmo assim, esboçar algumas frases feitas e gentis.

Os assentos individuais nos ônibus são meus preferidos e, acompanhados de fones de ouvidos que intermediam pelo celular músicas no último volume e um smartphone que me auxilia a comentar, pelo Twitter, coisas inusitadas que acontecem ao meu redor, dão a sensação de uma barreira impermeável entre eu e o mundo fora do que existe dentro de mim.

Sou tão real, e ao mesmo tempo tão inverossímil, que posso ser o antipático ou o melhor amigo, anti-herói distraído ou romântico descuidado, cético ou solitário. Nicky Hornb, em “Como Ser Legal” (Rocco), trouxe para os livros um personagem que escrevia a respeito de suas irritações e depois se regenera, tornando-se um pacificador em relação às coisas rotineiras.

Todos os dias, pela manhã, passo em frente à casa de um senhor, que às vezes está com chapéu de palha. "Bom dia!", eu digo. "Bom diassss", ele responde, com um sotaque arrastado, aparentemente mineiro. É a literatura do meu dia a dia, assim como a àrvore infrutífera na esquina de casa que às vezes imagino cheia de maçãs vermelhas.

Rotina de livros que vão e vem, repleta de encontros noturnos. Desta vez, com Martin Page, escritor francês perito em dramas contemporâneos, autor de Como Me Tornei Estúpido” (ganhador do prêmio literário Euregio-Schüler) e A Gente se Acostuma Com o Fim do Mundo”, publicados  pela Rocco. Leitura de homem.

“Aqui é Clara. Sinto muito, mas prefiro parar por aqui. Vou me separar de você, Virgile. Não quero mais.”, diz a gravação na secretária eletrônica do romance Talvez Uma História de Amor” (Rocco). Depois de ouvir o recado cinco vezes, Virgile não está supreso com o término, mas porque não tem ideia de quem é Clara.

Com evidências de que teve uma suposta ex-namorada, se convence de que tem poucos dias de vida, encerra contratos, escreve cartas de despedida e define últimos desejos, como o de ter as cinzas jogadas em um vestiário feminino. Mas, em uma transformação inesperada, decide recuperar a mulher que desconhece. E é essa a reviravolta que muitos precisam. Nem que seja o simples fato de recuperar o que perderam em si mesmos.

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