sexta-feira, 6 de maio de 2011

Os sonhos abandonados pelo caminho


*Helder Miranda

De todas as minhas despedidas, dos meus lamentos ou projetos deixados de lado, até mesmo dos sorrisos forçados nas fotografias digitais, o que mais me choca, ainda assim, sempre são os sonhos, quando abandonados pelo caminho.

Li, em Uma Longa Queda (Rocco), de Nick Hornb, uma informação que, verídica ou não, me marcou: se todos esperassem três meses, no auge da ideia de tirar a própria vida, todos desistiriam de se matar. No livro, quatro pessoas se encontram por acaso no terraço de um dos maiores prédios de Londres, na noite de ano-novo, com a intenção de se atirar. Sem determinação suficiente para pular, procuram alguma desculpa para adiar a morte.

Destino diferente teve a escritora Cibele Dorsa, que comunicou pelo Twitter o próprio suicídio, antes de se jogar do sétimo andar de um edifício na Zona Sul de São Paulo. Não foi a primeira vez que ela divulgava, nas redes sociais, acontecimentos fúnebres. Meses antes, seu noivo, Gilberto Scarpa, morreu em circunstância idêntica, e ela postou, no Facebook, o ocorrido. Vários seguidores “curtiram” a informação de que o rapaz, de 27 anos, havia se matado. Não havia sinais de tragédia iminente numa mulher que lançava livros de autoajuda, como Homens No Bolso, era vaidosa a ponto de ilustrar seus livros com uma bonequinha idêntica a ela, e posava nua. Engano.

Por trás da falsa euforia, talvez existisse uma carência extremada em ser aceita. E, pode ser que, também, um abismo tão desolador que talvez ela mesma não soubesse lidar. Como Virgínia Wolf, escritora britânica que encheu os bolsos com pedras e entrou no Rio Ouse, morrendo afogada. Ou a poetisa portuguesa Florbela Espanca, que não resistiu à terceira tentativa, no dia do seu 36º aniversário, com uma overdose de barbitúricos. A boa notícia é que todas sobreviveram nos livros que escreveram. A má é que nem todas escrevem bem.

Leitora assídua de livros na língua original,     Adriana, uma pacata dona-de-casa com inclinações literárias, foi surpreendida por uma piada de Arnaldo César Coelho, enquanto preparava cadeira e cordas para um enforcamento. Diante da televisão, gargalhou tanto que caiu da cadeira e espatifou a televisão.

Pensou algo em torno de "nem para me matar eu sirvo”, mas seguiu em frente, com alguns arranhões. Em uma oportunidade daquelas que ninguém explica, Adriana se aproximou de Arnaldo para contar. “Não me matei por sua causa”, revelou. O herói, incrédulo, respondeu: “isso não tem graça”, e se afastou.   Mas foi assim, e muitas outras histórias como essa também poderiam acabar em uma sonora risadinha. São momentos raros que se apresentam de uma maneira despretenciosa e provam que, às vezes, simplesmente, é preciso deixar para lá e respeitar as coisas como estão.
           
*Editor do site cultural www.resenhando.com. É jornalista, escritor e roteirista. Twitter: @heldermm.

2 comentários:

Mary Ellen F. S. Miranda disse...

Esperando por novas crônicas... Amo!

Homem, Homossexual e Pai disse...

que texto interesante! aliás tem outros textos igualmente interessantes! pena que deixou de publicar no blog! abs