quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

velhoS velhoS


Sou o meu maior personagem, reconheço, e se você perguntar quem eu sou, respondo facilmente. Sou o cara do ponto de ônibus com uma estranha predisposição de criar histórias para os que estão na fila. Há, nela, de tudo – acredite – com tantos rostos e roupas de frio e de calor que sempre se modificam a cada dia, eu estou lá, vendo tudo e indo para o trabalho. Do romântico inveterado (e talvez eu me enquadre muito nesse perfil), à vilã incorrigível e meio desajeitada, passando pela velhinha dócil que não leva a culpa de ter atrapalhado um romance, mas fez isso, e hoje leva a simpatia da maioria.

Esse sou eu, repito, um observador contraditório por ser um péssimo fisionomista, ter a memória fraca e, muitas vezes, levado a mal por não ver quando sou cumprimentado por conhecidos na rua, e não retribuir. Mas dessa vez eu não estava na rua, nem no ponto de ônibus. Diante do cardiologista, eu disse, naquele discurso dos "quase trinta", que estava ficando velho. Ultimamente, tenho recorrido à ele para justificar algumas dores, algumas fadigas, e sou assinalado por minha Mary Ann, que às vezes sente as mesmas coisas. No final, sempre concluímos: "estamos envelhecendo", o que não deixa de ser reconfortante, já que envelhecer junto é melhor do que sozinho. 

Antes, ele havia me encaminhado a um endocrinologista, porque detectou uma suspeita de tereoide em mim - estranho, confesso que pensava que a palavra se escrevia "tiroide" afinal, o problema não era comigo e, justamente por isso, eu nunca havia me interessado pelo assunto. Descobrir uma tireoide, no entanto, não foi ruim. Explico: Dr. José Maria me perguntou se meus cabelos estavam caindo. 

Enquanto respondia que tinha-muito-cabelo,-eles-caíam,-sim,-mas-não-era-em-quantidade-absurda-embora-isso-gerasse-algumas-reclamações-em-casa, ao mesmo tempo eu pensava: "merda, estou com câncer!". Nesses poucos segundos, fiz algumas ligações, sem nenhuma lógica, mas nem por isso menos relevantes (naquele momento): meus cabelos tinham afinado, estavam muito menos armados do que na adolescência, quando eram bem grossos, e isso poderia ser um sinal. Descobrir uma suspeita de tiroide, por tudo isso, foi um alívio. Em termos, reconheço, porque se eu engordar, acredito que definitivamente serei infeliz pelo resto da vida - mesmo com aqueles desequilíbrios constantes em meu estado de espírito, de euforia absoluta e tristezas em que o chão se abre a seus pés - muitas vezes por motivos banais. 

Beirando aos 30, já tenho uma noção exata do que não quero ser - o que não é nenhuma proeza nessa idade. Um dos meus medos era recorrer ao transporte público, e nem tanto pela qualidade ou pela lotação que às vezes transforma pessoas em sardinhas, mas por aquelas carteirinhas medonhas apresentadas pelos que estão acima dos 65. Nada contra, mas não quero isso para mim, sobretudo ficar à mercê das emoções dos motoristas, geralmente sem nenhum senso de humor, ou de oportunidade para gentilezas. 

Durante muito tempo, ouvi falar sobre uma mulher, em minha cidade, que aparece  nos eventos, considerados os mais badalados, em minha cidade. Do nada, ela aparece, com coque, uma roupa escura de veludo, uma bolsa grande, colar de pérolas e uma bengala. É a personificação da Senhorita Rugabaixa, do jogo virtual The Sims 2, que aparece em lugares de grande concentração para agredir personagens mais "saidinhos" que se agarram em público.



Numa dessas festas, enquanto bebericava alguma coisa, a vi, reclamando para o garçom que não estava sendo servida de maneira adequada e, em outro momento, guardando alguns quitutes na bolsa. Achei tudo aquilo muito interessante, mas não tive coragem de me aproximar, até porque estava acompanhado - queria saber o seu nome. Em outra oportunidade, no meio do percurso do ônibus, vejo ela entrar e sentar bem na minha frente. Tentei abordá-la, mas, justamente quando ia fazer isso, ela resolveu escarrar no banco de sua frente, e uma considerável quantidade de catarro começou a se mover para baixo, o que me desmotivou. 

Depois, passou a emitir alguns grunhidos estranhos, e a se espreguiçar, com os braços que quase alcançavam o meu rosto. No dia seguinte, tive a sorte de reencontrá-la no mesmo onibus e soube que ela sabia das festas  que aconteceriam pelos jornais, mas que tinha parado de frequentá-las por conta de um atropelamento.  Como tomava remédio controlado, ia a esses lugares para se distrair, e tentar se aproximar das pessoas influentes para saber como eram na intimidade, aproveitando para comer e beber de graça. Pensei que a idade faz com que as pessoas percam determinados pudores, sem evitar os melindres da fala calculada para tentar não ser o que de fato são, o que as torna mais autênticas. 

Conversando com ela, tive uma impressão boa. Doce, educada, e com a voz sonora, sem ser forçada para isso. Era pedagoga,  segundo me afirmou, e havia se casado tarde, com um homem de 85 anos, que sobreviveu até os 90, para ficar com sua pensão. O nome, não digo, mas tinha os olhos muito azuis, límpidos, e se despediu de mim de uma maneira muito cordial. Como só os de antigamente sabem fazer. Talvez por isso eu tenha ficado triste quando soube, dias depois, que havia sido expulsa de uma festa em que não fora convidada. 



Mais sobre isso, em um vídeo muito "fofim", que me remete a posteridade:

Nenhum comentário: